High Tide: Sea Shanties (1969)

Desde o nascimento do Rock and Roll no anos 50, surgiram ramificações que deram origem a uma infinidade de estilos dentro do próprio gênero. Um desses estilos é o Heavy Metal, onde também há uma árvore frutífera imensa, cheia de galhos e folhas. Mas a polêmica no que diz respeito ao Heavy Metal é: Quem seriam os verdadeiros pais do Metal? Sinceramente não sei dizer. E apontar uma banda ou artista como responsável seria, talvez, irresponsável. Como tudo no mundo da música, os gêneros e estilos são oriundos de uma pequena bola de neve que vai crescendo cada vez mais até chegar num limite, explodindo em diversas partes. Em 1969 surgiria mais uma super-banda, daquelas que se tornaria integrante do famoso mundo Cult Underground: High Tide. Mas o que tem a ver a High Tide com Heavy Metal? Muitas coisas, principalmente pela pegada, pelos riffs e pela estrutura harmônica concebida pelo guitarrista e vocalista Tony Hill. Mas a High Tide surgiu num período em que ainda não havia uma consagração do Heavy Metal como estilo e o Progressivo começava a se desenvolver em maior escala. Com tudo isso é possível dizer que a High Tide tem um pouco de cada. O grupo teve como seu embrião, além de Hill,  Simon Casa (violino e teclados), Peter Pavli (baixo) e Roger Hadden (bateria). O debut da banda foi o discaço "Sea Shanties", gravado entre junho e julho de de 1969, no Olympic Studios. Foi lançado em outubro daquele mesmo ano pelo selo Liberty, com a produção de Denny Gerrard. Infelizmente o disco não conseguiu grande sucesso comercial. Esforço não faltou para isso, pois a publicação tinha sido promovida pela Apple, isso mesmo, a famosa publicação dos Beatles. Além da timbreira de Hill, uma das principais figuras musicais do álbum é a presença do violino de Simon Casa, que explora muito bem alguns extremos e se funde sem problema algum com o peso de algumas passagens. Mas cuidado, os desavisados podem até confundir Hill com o vocal de Jim Morrison. Talvez Jim se sentiria honrado ao ser confundido.
O disco começa com "Futilist's Lament". A música tem um som obscuro com uma pegada pesada de guitarra. Entre as quebras dos riffs, pequenos licks rasgados surgem com um baixo potente. Hill utiliza o recurso das pedaleiras à vontade, principalmente com um wah-wah. Com um vocal soturno que "desliza" durante a faixa, acontecem contrapontos entre guitarra e violino, que se fundem. A primeira faixa é realmente digna de ser chamada pauleira.
O ritmo do disco não para. "Death Warmed Up" parece uma máquina trituradora que passa por cima de tudo. Agora sim o violino virtuoso se destaca e muito mais do que na primeira faixa e é totalmente perceptível a ondulação, o contraponto entre a guitarra wah-wah com o "erudito" de Casa. A composição é uma avassaladora faixa progressiva com ambientação totalmente hard. Se nota o quão qualificada foi a produção, pois os graves são muito nítidos e passeiam, enquanto o violino continua sua progressão. O ritmo é tão intenso que os pouco mais de 9 minutos parecem até pouco para toda a riqueza de detalhes que "douram" os ouvidos. É uma faixa longa, mas sem qualquer necessidade de inserção vocal. As palhetadas nas cordas da guitarra e os movimentos do arco nas cordas do violino quase rompem as fronteiras dos limites, como se estivessem a ponto de estourar. 
"Pushed, But Not Forgotten" quebra em poucos instantes o ritmo alucinante das duas primeiras faixas, com uma ambientação melancólica, mas com uma melodia vocal elegante, acompanhada pelo violino. Porém esse clima é logo quebrado por mais uma sequência pesada. A harmonia foi concebida com o intuito de sair de uma situação de conforto, ir ao extremo, e voltar para calmaria. A sequência melódica solista de Casa que encaminha o encerramento é um trabalho justamente para quem sabe o que está fazendo e tem domínio sobre o instrumento.
"Walking Down Their Outlook" tem uma pegada muito Doors, muito anos 60, mas consegue ser melhor. Ao invés do órgão de Manzarek, o som instrumental de Casa tem um papel de apenas segurar a onda para os demais instrumentos detonarem. A guitarra novamente aparece rasgada com uma boa sequência de solos. O desfecho é realmente interessante. Quando Casa resolve solar no órgão, logo interrompe com belos floreios de violino que fecham o compasso final com um arpejo distorcido de guitarra.
"Missing Out" começa com um pequeno clima de expectativa, mas logo vem a entrada da parte vocal extrema, com uma exploração de compassos e ritmos completamente virtuosa de Roger Hadden. A bateria quebra ritmos, se intensifica, e vai fazendo trocas a todo o momento. Todas as quebras e os pequenos espaços são preenchidos pelo violino, enquanto a guitarra explora o potencial de timbre. É, sem dúvida nenhuma, uma das melhores faixas do disco, pois todo o potencial musical de banda é colocado à prova novamente. A música segue um ritmo de construção e reconstrução, com um vocal lamurioso. Depois de uma sequência de contrapontos entre guitarra e violino, a bateria, estrela da música, faz algumas ondulações que encaminham a faixa para o seu devido encerramento.
"Nowhere" fecha o disco com chave de ouro. Violino e guitarra seguem duelando, mas é a bateria que se destaca novamente pelas incríveis quebras de ritmo durante a execução da música, sendo um desafio para qualquer interessado em aprender a arte das baquetas. Talvez a tradução do nome da faixa explique bem o sentido de indecisão contida na poética letra: a difícil relação entre o real, o mental e o fato, distante, em lugar nenhum.
A edição remasterizada em CD contém um bom material de extras. Além das demos de "Death Warmed Up" e "Pushed, But Not Forgotten", há a excelente progressão de pouco mais de 11 minutos "The Great Universal Protection Racket", uma faixa instrumental com características típicas de uma suíte progressiva, cheia de ondulações, frases interessantes de guitarra e outros aspectos enriquecedores, com pitadas orientais e algumas dissonâncias. "Dilemma" é cheia de floreios de bateria, com muitas alternativas rítmicas na sua construção e pode ser considerada uma faixa psicodélica na sua essência, dotada de uma bela harmonia vocal. Destaque, novamente para os timbres de guitarra. E ainda há a faixa "Time Gauges", com uma pequena parcela de jazz em seu início que desemboca numa sequência mais leve, ditada pelo ritmo da bateria, mesmo com uma guitarra distorcida segurando as pontas. É mais uma faixa progressiva e psicodélica, devido ao seu grau de diversidade de ondulações. 
Bom, agora o negócio é curtir esse som até explodir o cérebro, no bom sentido, claro. Certamente "Sea Shanties", da High Tide,  foi um dos melhores discos que ouvi e recomendo desde já. É disco para ouvir diversas vezes até entender o que quer dizer. É para analisar e para refletir por muito, mas muito tempo mesmo.

Inspirações:
No material do disco há um pequeno depoimento do guitarrista e vocalista Tony Hill, no qual ele relata o sentimento vivido pela banda durante a produção do álbum, que diz: 
"desde o início, as novas canções e os instrumentais funcionaram bem. Bateria, baixo, violino e guitarra pesada pareciam ter algumas limitações. O som era, em si, inspirado o suficiente para nós percebermos que não precisávamos de mais membros da banda. Reunidos no prédio da Apple dos Beatles, em Saville Row, nós ensaiamos pela primeira vez "Death Warmed Up" antes de passar para outro número. Alguns amigos que estavam conosco se encantaram tanto quanto nós. Quando entramos no Olympic Studios, subimos as escadas, ouvimos a guitarra de Eric Clapton, como recém mixada. Para as sessões  do nosso primeiro álbum, eu me lembro de nós termos um live set-up no estúdio (com uma bateria e três pilhas completas de amplificadores como se estivéssemos no palco), captada com enorme microfone central, adicionado para criar essa pulsante onda de som para a gravação de "Death Warmed Up", sendo um exemplo de métodos de gravação que emprestaram flexibilidade para a nossa abordagem em geral. As letras, como as passagens musicais emotivas, residem no centro da "Raibown Bridge", em algum lugar entre a esperança e o desespero, numa mistura de impressões doces e perturbadoras".


"Futilist´s Lament" - 5:17
"Death Warmed Up" - 9:08
"Pushed, But Not Forgotten" - 4:43
"Walking Down Their Outlook" - 4:58
"Missing Out" - 9:38
"Nowhere" (Roger Hadden, Simon House) – 5:54
Todas as faixas escritas por Tony Hil, exceto "Nowhere"

Roger Hadden - drums
Tony Hill - guitar, vocals
Simon House - violin, organ
Peter Pavli - bass

Clique na imagem para ouvir:


Que os Deuses do Rock fiquem com Vocês!

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