Pappo: Pappo With Deacon Jones - July 93 Los Angeles (1993)

O Epifânicos e Anônimos dedica mais um post ao fabuloso rock argentino. Depois de uma viagem na busca de excelentes venenos, está na hora de relatar o que de melhor encontrei no país platino. E nada melhor do que começar essa série com o maior guitarrista da história da Argentina e, certamente, um dos grandes músicos da história mundial: Norberto "Pappo" Napolitano. Como conta o excelente site Rock.com.ar, Pappo nasceu em casa, perto do canto Artigas Camarão, no bairro de La Paternal, em Buenos Aires. Ele tocou na primeira formação dos Los Abuelos De la Nada e também com Los Gatos, bandas importantes não apenas no cenário argentino, mas latino americano. El Carpo, como era conhecido, tinha uma grande personalidade e era muito querido por seus mais chegados. Por outro lado, era um músico polêmico em alguns momentos, principalmente com a imprensa. Mas nunca foi rancoroso e é lembrado até hoje como uma pessoa especial, apesar de genioso.
Um dos grandes momentos da vida de Pappo foi o encontro com seu ídolo B.B. King, em Nova York, a convite do próprio lendário bluseiro, para um show inesquecível no famoso Madison Square Garden, em 1993. Conta a história que Pappo estava tão nervoso, que ficou trancado praticamente o tempo todo em seu quarto de hotel, se preservando, para garantir presença no palco com B.B. King. Pappo viajou pelo mundo mostrando seu talento e outras grande parcerias foram feitas com o passar dos anos. Ao longo da carreira, Pappo lançou excelentes discos solos com o Pappo´s Blues, e ainda foi integrante de duas outras super bandas, Aeroblus e Riff. No Aeroblus teve a parceria do baterista brasileiro Rolando Castello Junior (Made In Brazil) e do baixista Alejandro Medina (Manal). Castello Junior é a prova viva da falta de reconhecimento do rock no Brasil. Na Argentina foi, simplesmente, eleito o maior guitarrista do mundo. Em 1977 o Aeroblus lançou seu único disco, intitulado "Aeroblues" que é disputado a tapas por colecionadores. E é um disco fantástico de hard e blues, totalmente recomendado; simplesmente uma aula de rock sul-americano. Nos anos 80, com Boff Serafine, guitarra, Vitico, baixo, Juan García Haymmes, voz e Michel Peyronel, bateria e voz, nascia a Riff. Foi uma banda que marcou a geração daquele momento argentino que ainda estava nas garras do regime militar que tomava conta do país. Rock da melhor qualidade e atitude foram as marcas registradas. Pappo havia se destacado como um guitarrista de blues ao longo dos últimos anos, mas com o Aeroblus e, principalmente no Riff, a pegada partiu para  as ramificações do hard e do heavy metal. Riff foi uma banda pesada que lançou ótima discografia. O grupo teve algumas paralisações, mas, como dizia Michel Vitico, o "Riff vai e vem quando quer". Pappo morreu em um acidente de moto perto de Lujan, na noite de uma quinta-feira, 24 Fevereiro de 2005. De acordo com fontes policiais, ele estaria alcoolizado, viajando em sua Harley Davidson, seguido por outra moto com seus filhos, depois de ter jantado em um restaurante. Após sua morte, muitas homenagens foram feitas através de shows e também pela literatura. A controvérsia do artista pode ser conferida nas obras "100 vezes Pappo", de Paul Schanton e "Suburban Man", de Sergio Marchi. O disco que destaco no Epifânicos e Anônimos é intitulado "Pappo With Deacon Jones - July 93 Los Angeles". Nesse momento Pappo já estava consagrado e seguia tocando, eventualmente, com algumas interessantes parcerias.
É um disco que apresenta uma performance ao vivo de Pappo ao lado do grande bluseiro americano Deacon Jones, um dos fundadores do Baby Huey & the Babysitters. Deacon Jones tocou ao lado de muita gente importante como Greg Allman, Elvin Bishop, Lester Chambers, Albert Collins, Freddie King e Buddy Miles. É um disco muito bem gravado, com a verdadeira face de Pappo. Exceto "El Tropezon" (The Stumble - Freddy Kin, Sony Thompson) e "Pequeña Ala" (Little Wing - Jimmy Hendrix), seis das oito faixas são da autoria de Pappo, como o clássico "Blues de Santa Fe". Pappo se notabilizou não apenas pelos discos de estúdio, mas também pelas suas apresentações ao vivo. O disco abre com "Fiesta Cervezal", que integra o disco "Volume 4". É uma música ótima da carreira solo de Pappo e muito divertida, que fala sobre um enorme desejo de celebrar o calor bebendo cerveja gelada. A faixa explora ótimos solos de guitarra, órgão, com especial destaque para a gaita de boca.  Em seguida temos "El Tropezon". É o primeiro dos covers de Pappo de um de seus ídolos, Freedy King. Pappo mostra ao mesmo tempo fidelidade e virtuosismo criativo para reinventar a faixa que ficou ótima em espanhol. O segundo e último cover é "Pequeña Ala", do gênio Hendrix. É uma composição que apresenta uma harmonia com arpejos belíssimos e que exige uma técnica apurada instrumental para que a música dê certo. A guitarra de Pappo chora e, certamente, deixaria Hendrix satisfeito se estivesse vivo na época para ver de perto. Depois de reviver seus "professores", Pappo mostra o que tem de melhor. "Siempre Es Lo Mismo Nena" é a quarta faixa, do disco "Volume 3", de 72. Tem um andamento bem típico de Muddy Waters. A letra talvez seja uma crítica à visão de algumas pessoas a respeito dos músicos: "Siempre es lo mismo nena, tu madre y tu padre, están convencidos de que un vago soy". Ótimo instrumental. A guitarra é extremamente feroz durante a execução. "Sube a mi voiture" é outro clássico de Pappo. Tocou muitas vezes com a própria Riff. Destaque para a virtuose de Deacon Jones no Hammond. "Blues de Santa Fe", do "Volume 2", é uma das melhores do disco e da carreira de Pappo. Assim como na faixa anterior, Deacon Jones "destrói" no Hammond com uma espetacular sequência de solo, enquanto a base segura as pontas com um trabalho muito bem feito. "Desconfio" é a penúltima faixa e mais uma das clássicas dos anos 70 com Pappo´s Blues. Certamente uma grande música digna de estar no hall das grandes do blues mundial. Pappo mostra puro feeling durante a execução. É uma música com uma temática nostálgica. A harmonia apresenta um clima de melancolia. E para fechar o disco, mais uma música do "Volume 2", "Tren  De Las 16". Ao fundo é possível perceber a cantoria e a satisfação do público com a presença marcante de Pappo. O shuffle marcante encerra os trabalhos com chave de ouro. Deacon Jones comanda o espetáculo durante boa parte da introdução e bota à prova a base mais uma vez. O solo de Pappo é de fazer qualquer ouvinte vibrar. Hammond, gaita e guitarra promovem um espetáculo à altura de John Mayall. "Pappo With Deacon Jones - July 93 Los Angeles" é apenas um pedacinho da grande carreira de Pappo. Para conhecer melhor o blues feito na América Latina, é fundamental ouvir Pappo. Digo mais, para se aprofundar no blues latino, seria interessante começar por Pappo. A Argentina, de forma notável, prova que não tem apenas no tango seu principal atrativo musical. Já comprovou que de rock e blues os hermanos entendem muito.

1 - Fiesta cervezal 
2 - El Tropezón 
3 - Pequeña ala 
4 - Siempre es lo mismo, nena 
5 - Sube a mi voiture 
6 - Blues de Santa Fe 
7 - Desconfío 
8 - El tren de las 16


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Buenos Aires, a verdadeira cidade Rock and Roll

Comprovadamente Buenos Aires é cidade para ser visitada mais de uma vez. A capital da Argentina é cheia de atrações de todos os tipos. É um lugar que transpira cultura. Em cada canto vemos alusões a ídolos do país como Gardel e Evita. Bandeiras azuis e brancas, com o Sol no centro, estão espalhadas. Em Buenos Aires os argentinos e os estrangeiros desfrutam de incontáveis casas de café, livrarias e "disquerías". Casas de tango e tango nas ruas, não importa, sempre ocorre algum tipo de atração dessa marca registrada dos "hermanos". Buenos Aires respira, vive futebol. Maradona é rei, mas há uma legião de outros imperadores que ajudaram a construir uma gloriosa história de 2 títulos mundiais. Buenos Aires também é Punk. Buenos Aires também é Heavy Metal. Buenos Aires também é Rock and Roll! Ah, apaixonante és tu, Buenos Aires.
Pois, meus amigos, quero compartilhar com vocês minha rápida visita a essa capital do mundo. Como foi a minha primeira viagem, obviamente me dediquei a conhecer os principais pontos turísticos, tais como: Casa Rosada, Plaza de Mayo, Obelisco, Caminito, La Bombonera, Monumental de Núñez, Puerto Madero, Rio da Prata... Conhecedor da paixão dos argentinos pelo velho R&R, fui na busca de preciosidades e, já adianto, não me arrependi. O rock na Argentina, saibam, é como uma religião. Diferentemente do Brasil, o rock é infinitamente mais cultuado. Enquanto no Brasil foram poucas as bandas que realmente se destacaram ou tiveram espaço, ao contrário, na Argentina existiram muitas e, até hoje, há uma rica divulgação daquilo que acontece no mundo do rock "porteño". Declarações já sabidas de artistas consagrados afirmam existir uma energia específica nos argentinos.
A prova disso são os vários shows históricos que aconteceram em BA ao longo da história e que comprovam tudo isso, toda essa magia. Não estou querendo menosprezar o Brasil por ser menos roqueiro do que a Argentina. Só estou constatando que, o acontece em cada país, é relativo a sua cultura. O Rio Grande do Sul, por exemplo, se identifica muito com os povos argentino e uruguaio. Com a miscigenação do Rio Grande ao longo dos anos, obviamente a diversidade cultural se espalhou. Mas algumas características básicas nos relacionam com eles. O fato de sermos gaúchos, de bebermos mate. As danças e as músicas tradicionalistas mantém essa chama pampeana interligada entre nós. Ao longo dos anos o rock do Rio Grande se notabilizou com o surgimento de grandes bandas como TNT, Cascavelletes, Engenheiros do Hawaii e Replicantes. Júpiter Maçã lançou nos anos 90 a obra prima "A Sétima Efervescência", que foi eleita o melhor disco de rock do RS e é disputado a tapa por colecionadores por sua raridade. O rock do Rio Grande é respeitado e, talvez, seja o melhor feito no Brasil. Essa é mais uma semelhança que temos com os Argentinos. Mas enfatizo que lá a produção é infinitamente maior e bastante qualificada. 
Dedicarei os próximos posts no Epifânicos e Anônimos para falar de algumas grandes bandas que gravaram discos excepcionais à altura de grupos ingleses e krautrocks. Uma das vantagens dos argentinos em relação ao Brasil é que as coisas, no caso discos, sempre chegaram antes ao conhecimentos dos fãs e colecionadores. A guitarra, a psicodelia, o metal e o punk são totalmente presentes no cotidiano de grande parte da população. Portanto vou falar e, mais do que nunca, indicar uma quantidade considerável de artistas que farão vocês, leitores, se renderem de vez ao rock argentino. Falarei primeiramente sobre Norberto Anibal Napolitano, o famoso Pappo. Foi considerado o maior guitarrista da história da Argentina. "El Carpo", como também era conhecido, integrou uma das bandas mais importantes não só da Argentina, mas da América Latina, a poderosa Riff. Depois integraria outra banda fantástica: Aeroblus. Em seguida vocês vão conhecer a excelente banda progressiva Sui-Generis, o "rockão" da Almendra, a maluca Aquelarre e a bluseira Manal que, ao lado da Almendra e do Los Gatos, é conhecida como uma das fundadoras do rock argentino, precursora do blues em castellano.
Mas antes vou passar algumas dicas para quem for visitar Buenos Aires na busca de "venenos". Atualmente o país passa por uma crise econômica que desvaloriza sua moeda, o peso argentino. Para se ter uma ideia, muitos estabelecimentos aceitam dólares americanos e reais, isso mesmo, reais. 1 real = 3,25 pesos (cotação em 18/02/2014). Portanto as coisas são bem mais acessíves para brasileiros, isto é, os preços são interessantes e é possível fazer muitas coisas com poucos reais no bolso. Comprar CDs na Argentina é muito mais barato do que no Brasil. Então se você for a Buenos Aires para isso, certamente voltará com a mala mais pesada. Para se deslocar pela cidade é muito simples. Existe uma grande linha de trens subterrâneos em boa parte de BA. A desvantagem é que fecha cedo, por volta das 22h30, mas a passagem é barata, pouco mais de 2 pesos. As linhas de ônibus duram 24h e também têm preços acessíveis. Mas como o real está com um valor interessante, vale a pena andar de táxi, principalmente se a sua viagem for num período mais curto. Como em qualquer outro país existem as famosas bandeiras com as variações de valores de acordo com o período. De dia, por exemplo, o taxímetro arranca com 11 peso (3,38 reais). Eu recomendo levar consigo uma quantia semelhante daquela que foi investida na viagem, até por questão de segurança. Mas com esses bons valores e bom senso, não gastei nem a metade do que tinha na carteira e, mesmo assim, a viagem de 4 dias que fiz foi muito proveitosa. Dizem que é bom "abrir o olho" com os taxistas. Porém dificilmente vocês se darão conta das voltas desnecessárias que muitos motoristas fazem e dos "trocos" que poderão arrancar dos seus bolsos. Negócio é estar preparado, sem neurose. Voando pela Aerolineas Argentinas, os turistas brasileiros pousam no Ezeiza ou no Aeroparque Jorge Newbery. Recomendo que o câmbio seja feito em casa especializadas dos aeroportos (ou bancos), pois é mais seguro. E é interessante obter, sempre que possível, notas menores de 100 pesos, por exemplo, pois há muitos problemas para a obtenção de troco em alguns estabelecimentos e principalmente em táxis. Uma boa ideia é trocar uma nota mais alta no próprio hotel que vocês estejam ou comprar algo de menor valor numa farmácia.
Existem muitos cafés espalhados por Buenos Aires. Uma dica que dou é deixar o café do hotel (quando houver) para o último dia e aproveitar as delícias culinárias de estabelecimentos como o Café Tortoni, que fica na Av. de Mayo 825, numa região bem central da cidade. A quantidade de comida é tão grande que se pode dispensar o almoço. O que chama atenção é que, ao lado de cada cafeteria, geralmente existe uma livraria ou uma banca de jornais próxima. Não é a toa que os argentinos são considerados um povo culto. Geralmente os turistas ficam hospedados em hotéis na região do centro. Então só ali existem diversos pontos turísticos que devem ser conhecidos como o Obelisco, que fica no cruzamento entre as avenidas Corrientes e 9 de Julho. Outros lugares obrigatórios e maravilhosos são o Puerto Madero, Casa Rosada, Calle Florida e a Recoleta (onde há o Cemitério da Recoleta, que é uma obra de arte por causa da arquitetura, local da sepultura de Evita Perón). 
E para quem gosta de futebol os templos sagrados obrigatórios são a Bombonera, casa do Boca Juniors, e o Monumental de Nuñez, estádio do River Plate, palco da final da Copa de 1978, vencida pela Argentina. Ambos clubes possuem incríveis museus que contam as respectivas histórias. Mas o melhor de todos, sem dúvida, é o museu do River. Nele existe um túnel do tempo que retrata não só a história do clube, mas da nação argentina e do mundo desde 1901, ano de nascimento do River.
E por fim, onde comprar discos? Buenos Aires tem algumas ótimas "disquerias", que é o termo em espanhol. Se a viagem for curta, recomendo a "disqueria" que fui: Oid Mortales. É umas das casas de discos mais tradicionais da Argentina, fundada em 1983. É muito parecida com as casas que temos em Porto Alegre. E tem uma variedade bastante grande de artistas de rock de várias partes do mundo, com destaque para os grupos argentinos. A Oid Mortales fica na Av. Corrientes, 1145, Galeria Arte, loja 17. 
O que a Oid tem de pequena, a Livraria Ateneu tem de pomposa. Localizada na Av. Santa Fe 1860, a Ateneu é um antigo teatro que foi transformado numa enorme livraria. O local por si só vale a viagem devido à beleza de sua estrutura interna. Além da enormidade de obras literárias, existe um departamento especializado em discos, onde encontrei ótimo acervo. A fachada e o interior da livraria resumem algo que tem de especial na cidade, a preservação de prédios históricos. Assim como existem muitas casas de Tango, existe um bom número de casas especializadas em Rock. Infelizmente, pela falta de tempo, apenas conheci a fachada de um museu argentino dedicado aos Beatles, o Museo Beatle, que fica na Paseo La Plaza, Av. Corrientes 1660. Esse será ponto de visita na próxima oportunidade, com certeza. 
E em BA também existe uma franquia do famoso Hard Rock, com seu ambiente típico e muitas guitarras de roqueiros famosos assinadas por Eric Clapton, Jimmy Page e Bob Dylan, todas expostas aos visitantes.
Então é isso, meus amigos, essas foram apenas algumas recomendações que faço de Buenos Aires. Espero que tenham gostado e que a visitem em breve. Certamente irão gostar muito e digo que vale realmente. As duas últimas dicas que passo são: 1 - pesquisem sobre o país. 2 - façam um roteiro para organizar o tempo, que é precioso. 
A partir das próximas semanas o Epifânicos e Anônimos continuará sua viagem pela Argentina, com muito Rock And Roll! E confiram, em breve, a primeira resenha deste apanhado especial com o disco "Pappo With Deacon Jones - July 93 Los Angeles".  Gracias!

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High Tide: Sea Shanties (1969)

Desde o nascimento do Rock and Roll no anos 50, surgiram ramificações que deram origem a uma infinidade de estilos dentro do próprio gênero. Um desses estilos é o Heavy Metal, onde também há uma árvore frutífera imensa, cheia de galhos e folhas. Mas a polêmica no que diz respeito ao Heavy Metal é: Quem seriam os verdadeiros pais do Metal? Sinceramente não sei dizer. E apontar uma banda ou artista como responsável seria, talvez, irresponsável. Como tudo no mundo da música, os gêneros e estilos são oriundos de uma pequena bola de neve que vai crescendo cada vez mais até chegar num limite, explodindo em diversas partes. Em 1969 surgiria mais uma super-banda, daquelas que se tornaria integrante do famoso mundo Cult Underground: High Tide. Mas o que tem a ver a High Tide com Heavy Metal? Muitas coisas, principalmente pela pegada, pelos riffs e pela estrutura harmônica concebida pelo guitarrista e vocalista Tony Hill. Mas a High Tide surgiu num período em que ainda não havia uma consagração do Heavy Metal como estilo e o Progressivo começava a se desenvolver em maior escala. Com tudo isso é possível dizer que a High Tide tem um pouco de cada. O grupo teve como seu embrião, além de Hill,  Simon Casa (violino e teclados), Peter Pavli (baixo) e Roger Hadden (bateria). O debut da banda foi o discaço "Sea Shanties", gravado entre junho e julho de de 1969, no Olympic Studios. Foi lançado em outubro daquele mesmo ano pelo selo Liberty, com a produção de Denny Gerrard. Infelizmente o disco não conseguiu grande sucesso comercial. Esforço não faltou para isso, pois a publicação tinha sido promovida pela Apple, isso mesmo, a famosa publicação dos Beatles. Além da timbreira de Hill, uma das principais figuras musicais do álbum é a presença do violino de Simon Casa, que explora muito bem alguns extremos e se funde sem problema algum com o peso de algumas passagens. Mas cuidado, os desavisados podem até confundir Hill com o vocal de Jim Morrison. Talvez Jim se sentiria honrado ao ser confundido.
O disco começa com "Futilist's Lament". A música tem um som obscuro com uma pegada pesada de guitarra. Entre as quebras dos riffs, pequenos licks rasgados surgem com um baixo potente. Hill utiliza o recurso das pedaleiras à vontade, principalmente com um wah-wah. Com um vocal soturno que "desliza" durante a faixa, acontecem contrapontos entre guitarra e violino, que se fundem. A primeira faixa é realmente digna de ser chamada pauleira.
O ritmo do disco não para. "Death Warmed Up" parece uma máquina trituradora que passa por cima de tudo. Agora sim o violino virtuoso se destaca e muito mais do que na primeira faixa e é totalmente perceptível a ondulação, o contraponto entre a guitarra wah-wah com o "erudito" de Casa. A composição é uma avassaladora faixa progressiva com ambientação totalmente hard. Se nota o quão qualificada foi a produção, pois os graves são muito nítidos e passeiam, enquanto o violino continua sua progressão. O ritmo é tão intenso que os pouco mais de 9 minutos parecem até pouco para toda a riqueza de detalhes que "douram" os ouvidos. É uma faixa longa, mas sem qualquer necessidade de inserção vocal. As palhetadas nas cordas da guitarra e os movimentos do arco nas cordas do violino quase rompem as fronteiras dos limites, como se estivessem a ponto de estourar. 
"Pushed, But Not Forgotten" quebra em poucos instantes o ritmo alucinante das duas primeiras faixas, com uma ambientação melancólica, mas com uma melodia vocal elegante, acompanhada pelo violino. Porém esse clima é logo quebrado por mais uma sequência pesada. A harmonia foi concebida com o intuito de sair de uma situação de conforto, ir ao extremo, e voltar para calmaria. A sequência melódica solista de Casa que encaminha o encerramento é um trabalho justamente para quem sabe o que está fazendo e tem domínio sobre o instrumento.
"Walking Down Their Outlook" tem uma pegada muito Doors, muito anos 60, mas consegue ser melhor. Ao invés do órgão de Manzarek, o som instrumental de Casa tem um papel de apenas segurar a onda para os demais instrumentos detonarem. A guitarra novamente aparece rasgada com uma boa sequência de solos. O desfecho é realmente interessante. Quando Casa resolve solar no órgão, logo interrompe com belos floreios de violino que fecham o compasso final com um arpejo distorcido de guitarra.
"Missing Out" começa com um pequeno clima de expectativa, mas logo vem a entrada da parte vocal extrema, com uma exploração de compassos e ritmos completamente virtuosa de Roger Hadden. A bateria quebra ritmos, se intensifica, e vai fazendo trocas a todo o momento. Todas as quebras e os pequenos espaços são preenchidos pelo violino, enquanto a guitarra explora o potencial de timbre. É, sem dúvida nenhuma, uma das melhores faixas do disco, pois todo o potencial musical de banda é colocado à prova novamente. A música segue um ritmo de construção e reconstrução, com um vocal lamurioso. Depois de uma sequência de contrapontos entre guitarra e violino, a bateria, estrela da música, faz algumas ondulações que encaminham a faixa para o seu devido encerramento.
"Nowhere" fecha o disco com chave de ouro. Violino e guitarra seguem duelando, mas é a bateria que se destaca novamente pelas incríveis quebras de ritmo durante a execução da música, sendo um desafio para qualquer interessado em aprender a arte das baquetas. Talvez a tradução do nome da faixa explique bem o sentido de indecisão contida na poética letra: a difícil relação entre o real, o mental e o fato, distante, em lugar nenhum.
A edição remasterizada em CD contém um bom material de extras. Além das demos de "Death Warmed Up" e "Pushed, But Not Forgotten", há a excelente progressão de pouco mais de 11 minutos "The Great Universal Protection Racket", uma faixa instrumental com características típicas de uma suíte progressiva, cheia de ondulações, frases interessantes de guitarra e outros aspectos enriquecedores, com pitadas orientais e algumas dissonâncias. "Dilemma" é cheia de floreios de bateria, com muitas alternativas rítmicas na sua construção e pode ser considerada uma faixa psicodélica na sua essência, dotada de uma bela harmonia vocal. Destaque, novamente para os timbres de guitarra. E ainda há a faixa "Time Gauges", com uma pequena parcela de jazz em seu início que desemboca numa sequência mais leve, ditada pelo ritmo da bateria, mesmo com uma guitarra distorcida segurando as pontas. É mais uma faixa progressiva e psicodélica, devido ao seu grau de diversidade de ondulações. 
Bom, agora o negócio é curtir esse som até explodir o cérebro, no bom sentido, claro. Certamente "Sea Shanties", da High Tide,  foi um dos melhores discos que ouvi e recomendo desde já. É disco para ouvir diversas vezes até entender o que quer dizer. É para analisar e para refletir por muito, mas muito tempo mesmo.

Inspirações:
No material do disco há um pequeno depoimento do guitarrista e vocalista Tony Hill, no qual ele relata o sentimento vivido pela banda durante a produção do álbum, que diz: 
"desde o início, as novas canções e os instrumentais funcionaram bem. Bateria, baixo, violino e guitarra pesada pareciam ter algumas limitações. O som era, em si, inspirado o suficiente para nós percebermos que não precisávamos de mais membros da banda. Reunidos no prédio da Apple dos Beatles, em Saville Row, nós ensaiamos pela primeira vez "Death Warmed Up" antes de passar para outro número. Alguns amigos que estavam conosco se encantaram tanto quanto nós. Quando entramos no Olympic Studios, subimos as escadas, ouvimos a guitarra de Eric Clapton, como recém mixada. Para as sessões  do nosso primeiro álbum, eu me lembro de nós termos um live set-up no estúdio (com uma bateria e três pilhas completas de amplificadores como se estivéssemos no palco), captada com enorme microfone central, adicionado para criar essa pulsante onda de som para a gravação de "Death Warmed Up", sendo um exemplo de métodos de gravação que emprestaram flexibilidade para a nossa abordagem em geral. As letras, como as passagens musicais emotivas, residem no centro da "Raibown Bridge", em algum lugar entre a esperança e o desespero, numa mistura de impressões doces e perturbadoras".


"Futilist´s Lament" - 5:17
"Death Warmed Up" - 9:08
"Pushed, But Not Forgotten" - 4:43
"Walking Down Their Outlook" - 4:58
"Missing Out" - 9:38
"Nowhere" (Roger Hadden, Simon House) – 5:54
Todas as faixas escritas por Tony Hil, exceto "Nowhere"

Roger Hadden - drums
Tony Hill - guitar, vocals
Simon House - violin, organ
Peter Pavli - bass

Clique na imagem para ouvir:


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Rainbow: Straight Between The Eyes (1982)

A poderosa banda inglesa Rainbow gravou ótimos discos, teve muitas formações e a maioria dos fãs nostálgicos têm grande parte de suas referências relacionadas a Ronnie James Dio, que os Deuses do Rock o tenham. Porém todos que passaram pela banda fizeram um bom trabalho, digno de ficar registrado na história do Rock. Um dos bons discos do Rainbow é o LP de 1982, "Straight Between The Eyes". O álbum, obviamente remasterizado posteriormente para CD, com os famosos extras, provou que os monstros Ritchie Blackmore (guitarras) e Roger Glover (baixo), ex-Deep Purple, continuavam em grande fase. Sexto do Rainbow, o disco foi o segundo consecutivo com a participação do excelente vocalista americano Joe Lynn Turner (o primeiro havia sido "Difficult to Cure", 81), que participou ativamente das composições com seu timbre hard/metal enérgico. A única alteração na formação em relação ao disco anterior foi a substituição de Don Airey por David Rosenthal, nos teclados, que não deixou por menos. O disco foi gravado no Le Studio, em Quebec, Canadá, no mês de dezembro 1981. Porém o lançamento aconteceria algum tempo depois. O disco foi muito bem recebido e de cara se destacou em emissoras de rádio americanas, principalmente com singles como "Stone Cold" e "Power". Em todo o álbum está presente a "timbreira" e o show de riffs e licks da Strato do mestre Blackmore. Um dos grande atrativos do disco é parte gráfica. Na imagem produzida por Jeff Cummins, com a parceria da cultuada Hipgnosis, uma Stratocaster arrebenta o meio de um rosto com olhos arregalados. Até mesmo na edição nacional, que geralmente sempre foi fraca e econômica em relação a de outros países, há um interessante material que contém as letras das músicas e uma foto da banda. 
"Straight Between The Eyes" abre com "Death Alley Driver". A distorção da guitarra dá a impressão de que um motor está "pegando" e acelerando. E realmente isso tem sentido, pois o som começa acelerado e é extremamente setentista, extremamente Purple. A bateria tem um ritmo que realiza várias quebras, não se limitando apenas ao refrão. O baixo contínuo estufa o peito do ouvinte e o solo parece ser conhecido, mas, ao mesmo tempo, novo, o que caracteriza o estilo totalmente perceptível de Blackmore, que alterna com execuções bem encaixadas do tecladista David Rosenthal, que se apresenta: "Esse sou eu!". 
"Stone Cold" começa de maneira obscura e despretensiosa. Realmente dá impressão de se tratar de uma balada, um pouco mais acelerada em função do ritmo da bateria. Essa pode ser considerada até mesmo como uma divisão de fases, já que tem uma harmonização bem característica do que foi produzido nos anos 80. A qualidade dos músicos é comprovada no fato de que a base segura de forma muito eficiente o vocal, que é o principal destaque da faixa, que ainda tem um solo de guitarra mais lento porém virtuoso. Enfim, Pedra Fria, na tradução, é uma composição com tons de romantismo, "homenagem" de Joe Lynn Turner para sua ex. A terceira faixa é "Bring On The Night", que começa com um efeito de pedal distorcido e logo em seguida uma bateria poderosa dita o ritmo bem explorado melodicamente pelo vocal e acompanhada com força pela linha de baixo. O solo também é virtuoso e novamente curto. A música não é assim tão violenta na sua construção. Destaque mesmo fica para a letra, que fala sobre um cidadão que se considerava morto ou era dado como, mas que voltou para a vida. Nada de novidade, claro, mas o cotidiano de certa forma foi bem explorado. "Tite squeeze" talvez seja a faixa mais simples do álbum, pois não há ondulação ou surpresa harmônica. É uma música curta, com pouco mais de 3 minutos. Eu digo que a duração ficou de bom tamanho, pois se não o refrão ficaria repetitivo demais. E se trata, mais uma vez, de uma canção com temática sobre relacionamento amoroso. Meloso.
O romantismo segue ditando o ritmo do disco e comprovadamente a temática é percebida em "Tearin` Out My Heart". É o tipo de música para ser ambientada num jantar à luz de velas ou em qualquer outra ocasião que tenha um motivo para tal. É uma faixa lenta, com uma ambientação de teclado e guitarra base totalmente encaixadas. As quebras dão muito mais complexidade a essa música do que aquilo ouvido na faixa anterior.
"Power" vem numa boa hora, pois o disco estava ficando melado demais. A faixa tem o papel de quebrar a audição anterior harmonizada com uma levada bem Rock and Roll, sobre uma temática letrística que fala sobre os tempos, sobre atitude e o poder de transformação individual. Nos dias atuais seria um bom hino para as manifestações na ruas. O grande destaque instrumental fica por conta da bateria, com ótimas quebras, ótimos movimentos. O refrão, porém, pode grudar.
"Miss Mistreated" é mais uma música sobre relacionamentos. Se não houvesse a presença de uma guitarra distorcida, poderia ser gravada por qualquer estilo. Também não possui uma harmonização muito complexa, apesar do bom solo realizado por Blackmore e que salva a composição. Não quero dizer que seja uma faixa ruim, mas poderia ter sido mais explorada, principalmente pelos teclados.
"Rock Fever" é um "rockão" oitentista e o disco vale por ela. Sem dúvida nenhuma, o Rainbow aproveitou essa faixa para divulgar o álbum nas FMs. E o custo benefício foi muito positivo, pois trata-se de uma música mais pesada, com características de uma época, e curta. Em resumo, perfeita para as rádios. Finalmente se percebe a utilização de algum sintetizador, por menos que tenha aparecido, logo no início. Com vocal enérgico e bons riffs, a música embala. Apesar da alta comercialidade, a Febre do Rock, com certeza, tem a capacidade de balançar as cabeças e os pés de qualquer pessoa que a ouça.
E por fim temos "Eyes of Fire", uma faixa mais longa, com pouco mais de 6 minutos. Ao lado de "Rock Fever", é uma faixa que vale todo o esforço da audição. Algo interessante na música é sua temática harmônica com características orientais/árabes, misturadas com uma levada Rock and Roll que persiste durante toda a composição. Inclusive o solo de guitarra lembra muito tudo o que havia sido feito tempos atrás no próprio Rainbow. O teclado se funde com a guitarra e a bateria é extremamente explosiva, assim como o vocal acompanhando pelo baixo mais obscuro e distorcido. Obscura também é a letra, com alguns pequenos tons de romantismo incluídos. Mas diferentemente das outras composições  do álbum que lidam com esse assunto "love", "Eyes of Fire" tem uma visão muito mais metafórica de alguns conceitos, sem lidar de forma direta e isso a deixa interessante. A faixa termina "queimando", num fade out, reflexiva, inconclusa.
"Straight Between The Eyes" pode não ser o melhor disco do Rainbow, mas certamente foi um dos álbuns que possibilitaram maior divulgação do som da banda. O mais comercial? Pode ser. Mas é fato que o roqueiros também precisam sobreviver. "Straight Between The Eyes" é um disco bem produzido, bem roqueiro, bem oitentista, que deve ser apreciado e curtido, com certeza.
"Death Alley Driver" (Ritchie Blackmore/Joe Lynn Turner) - 4:45
"Stone Cold" (Ritchie Blackmore/Roger Glover/Joe Lynn Turner) - 5:19
"Bring on the Night (Dream Chaser)" (Ritchie Blackmore/Roger Glover/Joe Lynn Turner) - 4:08
"Tite Squeeze" (Ritchie Blackmore/Roger Glover/Joe Lynn Turner) - 3:15
"Tearin' Out My Heart" (Ritchie Blackmore/Roger Glover/Joe Lynn Turner) - 4:05
"Power" (Ritchie Blackmore/Roger Glover/Joe Lynn Turner) - 4:27
"Miss Mistreated" (Ritchie Blackmore/David Rosenthal/Joe Lynn Turner) - 4:30
"Rock Fever" (Ritchie Blackmore/Joe Lynn Turner) - 3:52
"Eyes of Fire" (Ritchie Blackmore/Bob Rondinelli/Joe Lynn Turner) - 6:39

Ritchie Blackmore - guitarra
Joe Lynn Turner - vocais
Roger Glover - baixo, produção
David Rosenthal - teclados
Bobby Rondinelli - bateria

Produção:

Engenharia: Nick Blagona (assistido por Robbie Whelan)
Gravado no Le Studio, Morin Heights, Canadá
Digital mixing por Roger Glover e Nick Blagona
Digital mastering por Greg Calbi, Sterling Sound, New York



Que os Deuses do Rock fiquem com Vocês!

Trapeze: Medusa (1970)

Black Sabbath, Whitesnake, Judas Priest, Deep Purple. O que estas bandas tiveram em comum? Glenn Hughes, Mel Galley e Dave Holland. Agora mais uma pergunta: o que estes três músicos têm em comum? Para quem não sabe eu explico. Glenn Hughes, Mel Galley e Dave Holland integraram a grande banda inglesa Trapeze, formada em março  de 1969. O time era inicialmente composto pelo vocalista John Jones, o guitarrista e tecladista Terry Rowley (que batizou a banda), o guitarrista Mel Galley, o cantor e baixista Glenn Hughes e o baterista Dave Holland. Mas a Trapeze se notabilizou pelo trio Hughes-Galley-Holland. Após o lançamento do primeiro disco em 1970, "Trapeze", a banda começou a chamar atenção pelo peso de suas composições que se tornariam ao longo dos próximos anos influência para muitos outros grupos que surgiriam. Com a saída de Jones e Rowley, o trio, seis meses depois do debut, lançou em novembro de 70 o disco "Medusa", pelo selo Threshold Records. A banda teve uma certa empolgação com a obra, porém, a Trapeze nunca conseguiu alcançar o sucesso que gostaria, principalmente comercial. Mesmo assim, o disco foi bem recebido, principalmente na região sul dos Estados Unidos. A banda permaneceria um bom tempo em território norte-americano fazendo shows com a execução na íntegra de todo o álbum, que tem pouco mais de 40 minutos. O disco teve dois singles nos EUA: "Black Cloud" e "Your Love Is Alright". Essas músicas tiveram uma boa divulgação em emissoras de rádio. O disco começa justamente com "Black Cloud".  A faixa é enérgica. Com um riff de Galley e logo entra o vocal rasgado de Hughes. A música não tem, porém, uma estrutura completamente pesada, pois alterna com quebras de bateria e com o preenchimento de acordes típicos de uma influência folk. O solo de Galley é lento, mas cheio de "feeling". É o tipo de música que deu certo e uma ótima escolha para o ponta-pé inicial. Em seguida vem "Jury", a faixa mais longa do disco, com pouco mais de 8 minutos. A música tem uma ambientação cristalina com acordes de violão com corda de aço e novamente nota-se a influência folk. Porém essa calmaria não se sustenta por muito tempo e logo a guitarra pesada assume sua forma e prova que realmente teve papel de influência no hard setentista. O interessante da faixa é a impressão de haver uma música dentro de outra, após uma pequena pausa e a retomada do hard, mas com um timbre de guitarra diferente. O solo já é muito mais enérgico em comparação com a primeira faixa e há, durante sua execução, o contra-ponto vocal, o que deixa o clima ainda mais interessante. Quando a faixa parece se encaminhar para o final, na verdade o que acontece é o retorno ao tema inicial e então vem o desfecho. "Your Love Is Alright" é a terceira faixa e que abre com um clima de expectativa sonora, fruto do trabalho alternado da bateria com os pratos e com muita dinâmica de Holland. A guitarra e o vocal acompanham essa dinâmica até o ponto em que todos se juntam e "acabam com a brincadeira" e tudo vira um hard extremamente pesado com a presença de uma guitarra base com a principal. É uma faixa de muitas alternativas sonoras, distante de um conceito apenas linear. "Touch My Life" foi uma interessante inspiração de Galley que deve ter parado para filosofar sobre as circunstâncias do tempo e as expectativas que o cercavam naquele tempo quando escreveu a letra. Mas a sonoridade não tem nada de leveza, ao contrário, o ritmo é completamente acelerado e o vocal expressa muita fúria durante os compassos. "Seafull" começa muito reflexiva e nela há total referência ao blues. Faixa de Hughes com excepcional andamento. A bateria vai um pouco além do que o "feijão com arroz" e, durante o vocal surpreendentemente suave, a guitarra é palhetada  num único sentido que segura perfeitamente o momento. O vocal é bastante melódico e, após momentos de suavidade, alterna com momento de vigor para enaltecer as frases. O ritmo não é acentuado e ocorrem algumas pequenas quebras, porém necessárias, com solos totalmente "bluseiros". Os mais sensíveis podem mergulhar num clima melancólico.  "Makes You Wanna Cry" segue uma ordem natural das proposições do álbum. É nessa faixa que acontece o retorno ao hard com o baixo contínuo e com uma bateria que parece marchar freneticamente. Com vocais que dobram e uma guitarra que ferve mais uma vez, Galley usa sua técnica e explora os recursos de harmônicos numa potência, para época, notável. "Medusa" é o nome do disco e também da faixa que fecha o álbum. Novamente Hughes se utiliza do artifício de construção do momento, partindo de uma harmonia suave para um hard com maior potência. Assim como em todo o restante, a harmonização favorece o peso da cordas. "Medusa" encerra o disco com excelência. Após nova ondulação dentro da harmonia, ocorre um processo de recuperação e os músicos retornam com força total, com todo seu potencial, passando a sensação de dever cumprido logo que o disco para de rodar, com algumas reminiscências sonoras ainda vivas na mente. 
Hughes recentemente esteve no Black Country Communion, um super-grupo que foi formado por Jason Bonham, Derek Sherinian e Joe Bonamassa. A banda se separou em 2013. Galley, infelizmente, já não está mais neste mundo. Faleceu devido a um câncer de esôfago. Já a vida de Holland teve um episódio bizarro. Ele cumpriu pena por tentativa de estupro de um menino de 17 anos de idade. Um júri considerou Holland culpado. Ele se defende afirmando que é inocente. "Medusa" não é um disco difícil de adquirir, mas é necessário comprar importado. Porém basta encomendar em lojas de discos especializadas ou comprar pela internet.

"Black Cloud" (Galley) - 6:10
"Jury" (Galley) - 8:10
"Your Love Is Alright" (Galley, Hughes, Holland) - 4:53
"Touch My Life" (Galley) - 4:05
"Seafull" (Hughes) - 6:32
"Makes You Wanna Cry" (Galley) - 4:44
"Medusa" (Hughes) - 5:42

Dave Holland - drums
Glenn Hughes - baixo, piano, vocal
Mel Galley - guitarra, vocal

Produção:
Bill Leslie: Encarte
Roger Quested - engenheiro, produtor
Simon Robinson - encarte
John Tracy - encarte
Nick Watson - astering
Adam Yeldham - trabalhos de arte, design
John Lodge - produtor

"Black Cloud"

"Jury"

"Your Love Is Alright"

"Touch My Life"

"Seafull"

"Medusa"

Que os Deuses do Rock fiquem com Vocês!

Hawkwind: Levitation (1980)

Decidi dar um tempo para os compact discs e falar de um vinil completamente maluco oriundo do início dos anos 80. Para quem não conhece, vale realmente conferir o som progressivo (space rock) da banda inglesa Hawkind, com o LP "Levitation", lançado em 1980. Apesar da saída de Robert Calvert, que foi o principal letrista e vocalista, a obra é realmente interessante e curtir seus quase 40 minutos de duração faz da audição uma verdadeira viagem. O disco teve como atrações as presenças de Ginger Baker, nada mais nada menos do que o grande baterista do Cream e do tecladista Tim Blake. Gravado no Roundhouse Studios, entre julho e agosto de 1980, o disco foi produzido com o uso do 3M Sistema Mastering Digital. Foi um dos primeiros discos de rock a serem gravados com essa tecnologia. A digitalização ainda era uma grande novidade. Logo em seguida teríamos o lançamento dos famosos laser-discs e, finalmente, dos CDs. Levitation chegou à 21ª posição das paradas inglesas, fato que foi comemorado pela banda que considerou o disco tão empolgante quanto o seu primeiro, "Hawkwind", de 1970.
O disco começa com a faixa título "Levitation". É uma composição que já vinha sendo apresentada ao vivo antes do lançamento do álbum. De cara a bateria de Ginger quebra tudo. É um som que lembra muito o estilo de outra banda clássica, o Yes. Levitation apresenta uma harmonia extremamente interessante, com bons contrapontos entre guitarra e violão elétrico com cordas de aço, enquanto a bateria prossegue com um clima hard, aliado ao baixo contínuo e trabalhado. Enquanto isso, os sons do sintetizador ingressam dando amplitude à música, que apresenta boa parte de sua estrutura instrumental, tipicamente progressivo. Com a digitalização e bons aparelhos de som na época, presumo que o disco deva ter levado muita gente a outros planetas. 
"Motorway City" é a segunda faixa. Abre com uma sequência de acordes de guitarra com efeito e o vocal muito "yeszístico" de Dave Brock. Aliás, falando em efeito de guitarra, o fato mais curioso sobre essa faixa foi o uso do EBow pelo guitarrista  Lloyd-Langto. O EBow é um dispositivo alimentado por bateria de mão para tocar a guitarra, inventada por Greg Heet em 1969. Ao invés vez de ter as cordas atingidas pelos dedos ou uma escolha, eles são movidos pelo campo eletromagnético criado pelo dispositivo, produzindo um som que lembra o timbre de um arco de violino sobre as cordas. Outro fato curioso é que "Motorway City" foi o single escolhido pela banda, porém, não aceito pela gravadora.
"Psychosis" é a terceira faixa do disco, totalmente instrumental. Abre com um efeito de uma nave ou jato, provavelmente o que está estampado na capa. Aqui se destacam as ideias que passavam pela mente de Harvey Bainbridge naquele tempo. Mais uma das típicas viagens do rock progressivo que ainda tentava sobreviver na entrada dos anos 80. Característica básica da composição, além da exploração de recursos do sintetizador, é o final falso fundido com a próxima faixa, "World Of Tiers", também instrumental. Temos um contraponto interessante entre guitarra e violão elétrico e muito trabalho de bateria e teclado, que encerram o lado A.
E vamos ao lado B, que abre com "Prelude". E como diz o nome, é realmente o prelúdio construído em sintetizador que serve de introdução para o single do álbum, conforme a gravadora, que é "Who's Gonna Win The War?". Até não foi má ideia de torná-la candidata a hit, pois tem um refrão marcante, um grude, além de ser a faixa com predominância vocal e de melhor compreensão. Possui harmonia de guitarra oitavada e um baixo contínuo "obscuro". É uma faixa curta, em fade out, portanto, perfeita para tocar nas rádios. Em seguida "Space Chase" abre com os famosos efeitos de botões de computador, estilo Star Trek. Inicia com uma pegada bem hard, quebrada em seguida pelas distorções dos sintetizadores, e é mais um trabalho instrumental. Na reta final do disco, "The 5th Second of Forever" inicia com uma peça de violão erudito. Aos poucos adentram efeitos ambientais de sintetizador que desembocam numa excelente faixa, porém curta, que poderia ter sido um pouco mais explorada. Depois de alguns instantes de quebradeira entre a bateria e a guitarra, a composição retorna ao violão erudito com com nova passagem direta, desta vez para a última faixa, "Dust of Time". A música segue no mesmo ritmo do restante do álbum, com uma guitarra base e uma primeira guitarra que trabalha praticamente solando o tempo todo, enquanto o baixo e os sintetizadores ambientam e preparam terreno para o vocal cheio de efeitos. É umas das faixas mais longas do disco e há tempo para uma grande exploração de recursos e harmonizações. Logo adiante, acordes de piano introduzem o solo principal de uma guitarra lenta, com muitas característica setentistas. Toda a base durante o solo cumpre um papel eficiente até a retomada da assinatura da composição, através da parte vocal que encaminha o fechamento. Para os mais exigentes, talvez "Levitation" não seja um disco fundamental e eu diria que concordo com isso. Mas quem tiver a chance de conferir, terá pela frente uma jornada que só acrescentará conhecimento musical, pois o disco realmente foi muito bem produzido e tem seus atrativos. Vale conferir pelo seu momento histórico, numa época em que o rock progressivo estava ficando cada vez mais por baixo, após o surgimento de novas ramificações no rock e muito pela exigência de mercado das gravadoras. Os anos 80 seriam predominantemente marcados pelo desenvolvimento do heavy metal e da consagração do punk, que já estavam mostrando as caras no final dos anos 70. Disco recomendado. Ótima viagem!


Lado A

"Levitation" (Dave Brock) - 5:48
"Motorway City" (Brock) - 6:48
"Psychosis" (Harvey Bainbridge) - 2:22
"World of Tiers" (Bainbridge, Huw Lloyd-Langton ) - 3:30

Lado B

"Prelude" (Tim Blake) - 1:28
"Who's Gonna Win The War?" (Brock) -  4:45
"Space Chase" (Lloyd-Langton) - 3:11
"The 5th Second of Forever" (Brock, Lloyd-Langton) - 3:27
"Dust of Time" (Brock, Bainbridge, Lloyd-Langton) - 6:22

Dave Brock – vocais, guitarra, teclados
Huw Lloyd-Langton – guitarra, violão , backing vocals
Harvey Bainbridge – baixo, teclados, backing vocals
Tim Blake – teclados, backing vocals
Ginger Baker – bateria


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Há quanto tempo você não entra em uma loja de discos?

Há alguns meses escrevi sobre uma matéria muito interessante que li a respeito do Japão. A reportagem dizia que naquele país muita gente ainda compra discos. Não quero dizer que gostaria de ter nascido japonês. O que tenho é uma imensa tristeza e preocupação com o "andar da carruagem". Disco, hoje, é uma espécie de cartão de visita. As bandas realmente faturam com centenas de shows, como escravos, e os discos estão sendo deixados de lado. Mesmo com a febre dos LPs, não consigo vislumbrar um futuro próspero para os discos. Ouço sempre histórias da minha geração anterior com sentimento de nostalgia. O processo de ouvir um "bolachão" era equivalente a um cerimonial. As pessoas paravam para rodar um "disco" e simplesmente curtiam as músicas. E isso acabou? Não, mas evidentemente que acontece de forma exígua. Concluí que discos ainda são vendidos por causa de colecionadores, pois a grande maioria que consome na Indústria Cultural não demonstra mais interesse em tirar um álbum de uma embalagem, pegar o disco, abrir o compartimento do som ou posicionar o vinil no toca-discos e acionar o play. As ferramentas da modernidade deixaram as pessoas mais preguiçosas. E quanto mais preguiçosas, mais desinteressadas. As ferramentas atuais dão o play para os ouvintes. A indústria cultural coloca a comida na sua boca e mastiga para você. Esses dias, após um almoço, passei na frente de uma grande rede de lojas de cds e instrumentos musicais do Rio Grande do Sul. Como sempre dei uma olhadela, de curioso, e fiquei chocado: o espaço para os discos havia sido reduzido a menos da metade que eu me lembrava. Reflexo da queda de vendas. Quase ninguém mais compra discos. Uma pena. Como um dos poucos resistentes, quero informar que comprar discos vale à pena. Por mais distante de seu artista predileto que você esteja, o ato de comprar um produto oficial valoriza todo o esforço feito. Você pode ser um colecionador e isso é algo prazeroso, garanto. Agora, quem disse que não utilizo as ferramentas da modernidade? Óbvio que sim. Com a Internet hoje é possível descobrir uma infinidade de grandes bandas e existem diversos meios de adquirir produtos por preços interessantes. Comprar discos, inclusive, faz bem à saúde. Você terá que levantar da poltrona, sair de casa, entrar numa loja, conversar com pessoas e trocar ideias. Certamente você que está lendo conhece algum amigo ou amiga que possua banda e que tenha lançado algum EP, CD, Vinil, enfim. Experimente comprar um disco e terá uma ideia muito clara da importância desse simples ato. Quem sabe aí começará uma futura coleção? Há quanto tempo você não entra uma loja de discos? E como eu sempre digo, uma boa coleção não significa quantidade, mas qualidade. Ótimo 2014, leitor (es) do Epifânicos e Anônimos. Em breve novas atrações e venenos de tirar o cérebro e colocar de volta na cabeça.

Que os Deuses do Rock fiquem com Vocês!